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Histórias de contar (I) : o casamento
Jones Figueirêdo Alves
As primeiras formas de casamento surgiram por volta de 5000 a.C., com as sociedades agrárias, identificando uma linhagem familiar na sucessão de bens. A entidade do casamento já acontecia entre os sumérios, na Mesopotâmia, onde Hamurabi, o VI rei da Suméria, (1792-1750 a.C.) criou o mais antigo código da humanidade, destacado pela importância dada à sociedade familiar. Sessenta e sete de seus artigos são dedicados ao direito de família, tratando sobre noivado, casamento, divórcio, adultério, incesto, filhos, adoção e heranças.
O casamento se tornou uma instituição popular entre os antigos hebreus, gregos e romanos. Celebrado de forma pagã, em rituais privados, os padres passaram a abençoar o casal e, até o século VI, "benzia-se o casal à porta ou no quarto nupcial, primeiro sentados e depois deitados na cama".
Decorre desses tempos milenares o hábito de pedir a mão da noiva em casamento. Pedir a mão (“manus”) como símbolo de poder, ou seja, o poder de transferir a pessoa de um clã para um outro. O poder de assim fazer, conduzindo a noiva para a família do marido. Entende-se a pessoa da noiva como uma “pessoa nova”. A mulher que é pedida em casamento, tornar-se-á uma pessoa nova no clã de quem a solicitou desposá-la. Pessoa nova, pessoa noiva, significando o ingresso em outro clã, em uma nova família.
O costume de os noivos irem à igreja para obterem a benção do padre da paróquia, observado no século X, notadamente na Itália e na França, contribuiu bastante para a celebração de missas a esse ato de benção. É dessa solenidade religiosa que o casamento assume, ao depois, a substância de sacramento. Na Idade Média prevaleceu o costume de o condenado à morte poder obter a graça da vida e a liberdade, se alguma senhora dadivosa se dispusesse a tomá-lo como marido. Era o denominado “casamento por graça”.
A simbologia que cerca o casamento é bastante interessante. Anotações históricas indicam:
- É de origem medieval, o buquê da noiva, com ervas aromáticas “para afugentar maus espíritos”, onde cada flor tinha um significado espiritual.
- A tradição de usar branco foi impulsionada pela Rainha Vitória, do Reino Unido, que se casou de branco em 1840, representando essa escolha pureza e inocência. Antes, o vermelho era a cor adotada, como símbolo do sangue novo da nova família. Segundo a historiadora Mary Del Priore, o branco, em nosso país, surgiu há menos de duzentos anos.
- Da antiga Grécia, o costume do uso do véu da noiva, “para proteger de mau-olhado”.
- Do Egito Antigo surgiram as primeiras alianças de casamento, há cerca de 4.800 anos, usadas no dedo anelar da mão esquerda, devido à crença de uma veia ligada diretamente ao coração, a denominada “Vena Amoris”. Os romanos introduziram o uso, associando a aliança como um certificado de
“propriedade da noiva”, ou seja, não se achar mais disponível para outros pretendentes. No século IX d.C, a Igreja Católica adaptou a aliança de casamento como um símbolo oficial de união, amor e fidelidade entre os casais cristãos.
- Quanto ao consentimento voluntário (o consagrado “Sim”), a manifestação de vontade passou a fazer parte da solenidade, a partir do ano
1.140 com o Decreto de Graciano (“Decretum de Gratiani”), um monge jurista e professor de teologia bolonhês, considerado o paí do direito canônico. O decreto permaneceu em vigência até 1.917, substituido pelo “Codex Juris Canonici”.
- A tradição das bodas, que remonta à Idade Média, surge na Alemanha, como celebrações dos dois primeiros quartos do século (prata e ouro). A palavra “boda”, de origem latina, quer dizer “promessa”. Assim, bodas de casamento significam a renovação da promessa (votos matrimoniais). Mais adiante, as bodas são comemoradas a cada ano, cada um deles com um material que simboliza a nova etapa. As bodas de 75 anos são de diamante. Lógico que seja, o diamante é mais resistente que o ouro.
Somente a partir do século XII, a Igreja Católica começou a estipular regras mais rígidas para o casamento. Teve início o modelo ocidental de celebração que conhecemos. O casamento civil foi criado no Brasil em 24.01.1890, através do Decreto nº 181, assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, subsequente à separação entre Igreja e Estado. Esta lei instituiu o casamento como um ato oficializado pelo Estado, antes exclusivamente um ato religioso. No ano anterior (01.01.1889), entrou em vigor o Decreto-lei 9.886, instituindo a obrigatoriedade do registro de casamento em serventias cartorárias do Estado, vindo o registro deixar de ser uma atribuição da igreja católica.
O “casamento avuncular” é o ocorrido entre tio e sobrinha ou sobrinho e tia, parentes colaterais em terceiro grau. Embora nulo, nos termos do art. 1.521, IV, do Código Civil, a possibilidade do casamento avuncular é regulamentada pelo Decreto-Lei nº 3200/41, o qual exige atestado médico afirmando não existir inconveniente sob o ponto de vista da sanidade e da saúde de qualquer deles e da prole. Cumprida a exigência, mitiga-se o impedimento (STJ – AREsp 417119). Bernardo José da Gama, o primeiro desembargador pernambucano a integrar o Tribunal de Relação de Pernambuco, contraiu núpcias, em Recife, com a sua sobrinha Isabel Ursulina de Albuquerque Gama (30.06.1831)
Entre patrimônio (“herdado do pai”) e matrimônio (formado a partir de “mater”/mãe), com o sentido original de ligar-se à linhagem feminina, certo é que o casamento deixou de ser um instituto preordenado à procriação, para se constituir essencialmente em um espaço de companheirismo. Surge, afinal, o casamento como instituição. Hegel, em “Filosofia do Direito” afirmou ser o casamento "a união moral do sentimento, no amor e confiança recíprocos, que faz de duas pessoas uma só".
De fato, como dirá Mário Quintana: “O amor é quando a gente mora um no outro”.
Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista
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